terça-feira, 10 de julho de 2012

Ask the Dust


“Aí vai o Bandini pela rua fora; não é alto mas é robusto, tem orgulho nos seus músculos, cerra os punhos para admirar a rija alegria dos bíceps, é absurdamente destemido esse Bandini, nada receia além do que não conhece neste mundo de misteriosos prodígios. Os mortos ressuscitam? Os livros dizem que não, a noite grita que sim. Tenho vinte anos, cheguei à idade da razão, preparo-me para percorrer as ruas da cidade à procura de uma mulher. Terei a alma já manchada, será melhor voltar para trás, será que um anjo me protege, será que as preces da minha mãe me tranquilizam, será que as preces da minha mãe me aborrecem?

[…]

Então que hei-de fazer? Devo erguer a boca aos céus, gaguejar ou balbuciar em voz temerosa? Devo bater no peito nu como num tambor ressonante para atrair a atenção do meu Cristo? Ou não será melhor e mais razoável que me resguarde e continue o meu caminho? Haverá inquietação e desejo ardente; haverá solidão, mitigada apenas pelas lágrimas que hão-de correr para me adoçarem os lábios secos. Mas haverá também consolação e haverá uma beleza semelhante ao amor de uma qualquer rapariga morta. Haverá riso, um riso contido, e uma serena espera nocturna e um vago receio da noite que trará consigo o ávido e injurioso beijo da morte. Depois será noite, o tempo dos doces óleos das praias do meu mar, derramados sobre os meus sentidos pelos capitães que abandonei no ímpeto sonhador da minha juventude. Mas serei perdoado por isso e por outras coisas, por Vera Rivken e pelo incessante adejar das asas de Voltaire, por me ter detido a ouvir e a observar essa ave fascinante, por tudo isso serei perdoado quando regressar à minha terra natal junto ao mar.”

4 comentários:

Pedro Góis Nogueira disse...

Li-o há coisa de uma semana - "A Confraria do Vinho" também é maravilhoso e vou mesmo ter de ler mais Fantes...:) - e ainda estou sob o efeito. Prolonga-se. Não parece, mas este é daqueles cujo impacto maior ainda vem depois.

Madame Bovary disse...

Nem sabia que a confraria estava publicada em português. obrigada pela dica ;) gostei do livro, tem uma jinga inocente que contagia de facto. beijo e boas leituras

Pedro Góis Nogueira disse...

Foi o primeiro Fante a ser editado cá, há uns dois anos, pela Quetzal creio. Não tem a aura do “Ask The Dust” mas o John Fante achava-o o seu melhor livro. É diferente, mais maduro, aí já era um escritor estabelecido, casado, com filhos, ia regressar ás origens, fazer contas definitivas com o passado, com a humanidade possível de um pai intragável...É Fante na mesma, sem a inocência do antigamente, mas cheio de força e humor, sentimental quanto baste, etc :) Beijinhos e boas leituras para ti também

Madame Bovary disse...

Pronto: com essa descrição estou seduzida. vou ler a confraria. beijos