quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As delícias do Inverno



Estamos não na Primavera, nem no Verão, nem no Outono, mas no pico do Inverno. Este é um ponto muito importante na ciência da felicidade. E surpreende-me ver pessoas que não se importam com isso e que até se felicitam por o Inverno estar a acabar ou, se ele está a decorrer, por ser muito rigoroso. Eu, pelo contrário, todos os anos rezo a pedir ao céu o máximo de neve, granizo, gelo e tempestades que ele possa dar-nos. Todos, é claro, sabem dos divinos prazeres que nos esperam no Inverno ao canto da lareira; as velas que se acendem às quatro horas, o calor da alcatifa, o chá, a formosa pessoa que o faz, os reposteiros corridos, as pregas das cortinas a roçar o chão, enquanto o vento e a chuva rugem lá fora
      
      E parecem bater às portas e janelas,
      Como se terra e céu um só quisessem ser;
      Mas não podem entrar, não encontram por onde,
      Nada poderá invadir o nosso doce abrigo.
                              (Castle of Indolence)
                                                     
                                                           Thomas De Quincey, Confissões de um Opiómano Inglês

Sentíamo-nos perfeitamente bem ali no quente, tanto mais que lá fora, e no próprio quarto, sem aquecimento, reinava um frio cortante. A este respeito acrescento que para se gozar plenamente o calor é indispensável ter uma parte do corpo exposta ao frio; porque neste mundo a única medida de valores é a que resulta do contraste. Em si, nada existe. Se uma pessoa se vangloria de um conforto pleno e perene, isso é o mesmo que afirmar que não se encontra mais em condições de avaliar o que é o conforto. Mas se, à semelhança de Queequeng e de mim próprio, uma pessoa se encontra na cama com a ponta do nariz e o alto da cabeça ligeiramente friorentos, então, na verdade, essa pessoa pode afirmar com toda a consciência que sente o mais delicioso e inequívoco calor. Por este motivo um quarto de cama nunca devia dispor de aquecimento, que é um dos luxuosos desconfortos dos ricos. Porque a suprema delícia é não ter, entre o nosso corpo e o frio exterior, outra coisa além de cobertores. Então podemos dizer que somos como uma fonte de calor incrustada no cerne de um cristal do Ártico.

                                                                                    Herman Melville, Moby Dick

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