domingo, 16 de outubro de 2016

De barriga vazia



Nunca tinha lido nada do George Saunders nem sequer retido o seu nome (a «contemporaneidade» interessa cada vez menos por estas bandas), até topar com a antologia DEZ DE DEZEMBRO, publicada por alturas da Feira do Livro de Lisboa.

Entrei pelo livro, às escuras, e o embate com o primeiro conto induziu-me a pensar que estava perante um escritor muito bom (numa primeira impressão, o estilo lembrou-me o Salinger). Esfreguei as mãos de contentamento mas, à medida que avançava na leitura, a minha excitação inicial descia a pico, quase até soçobrar nas caves do tédio. Os contos seguintes, sem excepção, resumiam-se a explorar ficcionalmente determinadas facetas das nossas sociedades de controlo (por exemplo, a violência, a formatação química dos afectos, a profissionalização da vida, etc.). Chegar ao fim da leitura, exigiu-me várias doses de estoicismo e incredulidade, mas precisava entender como o conto inicial me conseguira ludibriar.

A conclusão a que cheguei é que Saunders é excelente, roçando mesmo a genialidade, na construção da singularidade das personagens, no recorte da acção, nos diálogos, de tal modo que é muito convidativo entrar nos universos instantâneos que nos propõe, como se nos colocasse à frente uma iguaria rara e irrepreensível. Porém, aguçado pela impecável e envolvente apresentação, o nosso apetite começa a degustar a história e eis que encontra a decepção dos sabores corriqueiros, mancos de extravagância. Quer isto dizer, que o enredo não satisfaz, comportando-se como uma ovelha mansa e ordeira, fiel aos caminhos costumeiros do pensamento, afastada das vertigens essenciais.

Ainda assim, dizem-me que PASTORÁLIA é a sua grande obra. Dar-lhe-emos com certeza nova oportunidade.

1 comentário:

Mau-tempo disse...

nunca o li, mas é certo que gostei de a ler :)