As minhas expectativas relativamente à
obra DEBAIXO DO VULCÃO eram altas. Não podia ser de outra forma com um livro em
que a personagem principal é o álcool. No entanto, e com grande pesar, constato
que não entra para a minha lista de livros do caralho. Ultimamente, o encontro
com estes livros excepcionais vai rareando e não consigo evitar sentir-me
responsável por essa comunhão falhada (não amar um livro, existirá alguma
tristeza mais profunda?). Curiosamente, acontece o mesmo com os amantes – terei
eu perdido a capacidade do encantamento, da empatia generosa, ou serão apenas
as maleitas decorrentes das várias experiências acumuladas?
As circunstâncias eram favoráveis ao
encontro. O prefácio escrito por Lowry para a primeira edição francesa
prescrevia o livro como indicado à minha condição: apesar de toda a
estabilidade conquistada nos últimos anos, não me sinto eu quase sempre em combate
com os poderes das trevas e da luz, numa perpétua travessia das profundezas de Qliphoth,
esse «mundo dos detritos e dos demónios»? A atmosfera árida do México e a
introdução do Cônsul eram convidativas. Como não me conectar com o seu
desespero espiritual, alheio a qualquer hipótese de renegociação?
Porque
os homens, todos os homens – era o que Juan parecia estar a dizer-lhe – devem,
até no México, lutar incessantemente, num sentido ascensional. Que era a vida senão uma luta e uma viagem
transitória num país estranho? A Revolução ruge do mesmo modo na terra caliente de cada uma das almas humanas? Não existe outra paz, além daquela que
paga portagem completa para o inferno…
O primeiro terço do livro recorda-me uma
selva frondosa e nocturna, apesar do meio-dia insuportável. À medida que me
adentrava pelo ânimo do Cônsul e reconhecia a sua extrema lucidez (e as
armadilhas dessa mesma lucidez), ia também contactando com essa pulsão de morte
indomável, o delirium tremens e essas
ganas de meter veloz pelo precipício abaixo.
Mas depois a paisagem muda e dou comigo a descobrir
Hugh e Yvonne. Com esses, não me conecto. Aliás, aborreço-me muito. Talvez
fosse essa a intenção do autor, impossível dizer… Até que regresso ao Cônsul e
à análise genial da sua dualidade. Gostei particularmente das passagens em que
o Cônsul se encerra numa casa de banho e do final, apoteoticamente trágico. A
ambivalência está tão bem explanada que nos incomoda: por um lado, pressentimos
que o Cônsul ainda poderá reerguer-se, escapar às sombras avassaladoras,
conhecemos o seu esforço e acreditamos no seu merecimento; por outro, sabemos
que, ainda que a salvação esteja a um palmo de distância, às vezes, não se
consegue mover um dedo que seja.
–
Gosto disto – rematou, dirigindo-se aos outros, pela janela e já do lado de
fora. Cervantes continuava atrás do bar, de olhos assustados e sempre com o galo
nos braços. – Gosto do inferno. Não posso esperar mais; quero ir para lá. E vou
mesmo a correr; já lá estou quase.
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