Não consigo atinar com o Thomas Bernhard. Há uns
tempos, um leitor estimado, recomendou-me com o entusiasmo O SOBRINHO DE
WITTGENSTEIN. No fim de semana passado, essa recomendação regressou-me à
memória e lá trouxe um exemplar emprestado da biblioteca.
Lê-se bem e rápido. No entanto, o estilo repetitivo de
Bernhard não me cativa. Embora perceba musicalidade da coisa na língua
original, acaba por me recordar também os nossos velhos do Restelo. O
permanente tom ressentido do autor também não me convida, embora perceba e
comungue da sua indignação e raiva.
E é isso, mais um livro com o qual não empatizei e
cujos louvores não entendo. Falha minha, muito provavelmente, pois um leitor
arrisca-se sempre a falhar o encontro com um determinado livro se as circunstâncias
não forem favoráveis. Admiro a coragem com que Bernhard detracta tudo e todos,
expondo também as suas vilezas, como a de ter abandonado o seu melhor e mais
verdadeiro amigo na fase final da sua vida. Contudo, não consigo deixar de
sentir que a sua exposição não vai tão fundo quanto poderia ir e mais do que um
livro sobre o seu amigo, temos um livro sobre próprio Bernhard.
Eu podia contar agora histórias do Paul,
pois não há só centenas, mas milhares, em que ele é a figura central e que são
famosas na chamada alta sociedade
vienense, que era a sua e que, como se sabe, vive de tais histórias jocosas e
de nada mais, mas não é essa a minha intenção. Ele era uma pessoa que vivia em
grande agitação, permanentemente nervoso, sempre incapaz de autodomínio. Era um
cismador, alguém que a propósito de tudo fazia filosofia e um acusador
incessante. Como era um observador incrivelmente adestrado e nessa sua
observação, que ele aperfeiçoou com o tempo, tornando-a uma arte, era de uma
completa irreverência, tinha continuamente razões para acusar. Não havia nada
que não desse motivo a qualquer acusação. As pessoas que chegavam à sua
presença não ficavam em paz mais que uns brevíssimos momentos, porque logo
despertavam uma suspeita e eram
culpadas de um crime ou pelo menos de
qualquer simples delito, sendo depois
flageladas com aquelas palavras que são também as minhas quando me revolto ou
defendo, quando me decido a lutar contra a insolência do mundo, para não ficar
por baixo e não ser por ele destruído. No Verão tínhamos o nosso lugar cativo
na esplanada do Sacher e na maior parte do tempo vivíamos apenas das nossas
acusações. Ficávamos horas e horas sentados na esplanada do Sacher e
acusávamos. Com uma chávena de café na nossa frente, acusávamos o mundo da
forma mais radical.
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