Dos vários contos, os que mais me cativaram foram os de
Fariduddin Attar, nomeadamente A CONFERÊNCIA DAS AVES e TAMBÉM ISTO HÁ-DE
PASSAR, cujos resumos se apresentam abaixo.
A CONFERÊNCIA DAS AVES
Um certo número de aves entendeu um dia que deveria ter um rei.
Tomada a decisão, pediram a uma sábia e prudente poupa – um pássaro com uma
crista em feitio de leque – que lhes concedesse ajuda na busca do rei. A poupa
disse-lhe que o rei por que ansiavam tinha o nome de Simurgh, o que no idioma
persa significa «trinta aves», e que vivia num esconderijo da montanha de Kaf;
e disse-lhes também que a viagem até esse sítio era perigosa e difícil. As aves
imploram à poupa que as guiasse. A poupa deu o seu acordo e começou a instruir
as aves uma a uma, tendo em conta os diversos níveis de entendimento e os
variados temperamentos individuais. Fez-lhes saber que, para alcançarem o cume
da montanha, teriam de passar por cinco vales e dois desertos; depois de
haverem atravessado o último deserto, então poderiam entrar no palácio do rei.
(…)
Depois a poupa deliciou as outras aves, contando-lhes
histórias prodigiosas sobre aqueles que já haviam empreendido a perigosa
jornada. Attar usa um vastíssimo imaginário simbólico e, tal como na história
do rouxinol, cada um dos contos oferece ao leitor o deleite da contemplação de
um mais profundo significado.
(…)
Depois de haverem ouvido a poupa a descrever-lhes o que as
esperava, as aves ficaram tão excitadas que imediatamente reataram a jornada. Durante
o caminho, algumas morreram de calor e outra afogaram-se no mar; também houve
as que foram vencidas pelo cansaço e não puderam continuar; animais bravios
caçaram umas tantas e ainda outras cederam às tentações dos lugares por onde
passavam e assim se distraíram e perderam, e para trás foram deixadas. Apenas trinta
de todas aquelas aves lograram alcançar o seu destino – a Montanha de Kaf.
À entrada do palácio do rei, o guarda-portão tratou as trinta
aves de modo muito pouco amistoso. Mas as aves, que já tinham passado pelo
pior, foram tolerantes e não consentiram que aquela agressividade as
perturbasse. Finalmente, o servo privado do rei saiu para as receber e
acompanhar até ao salão do rei. Assim que entraram no salão, as aves olharam em
redor, tomadas de espanto. Não entenderam o que estava a acontecer, pois em vez
de verem Simurgh, aquelas trinta aves tudo o que viam era… trinta aves. Por fim
perceberam que, ao olharem para elas próprias, haviam achado o rei e que, na
sua demanda do rei, se haviam encontrado a elas próprias.
Todos aqueles que passam pelas sete cidades do Amor estão
purificados. Quando chegam ao palácio do rei, encontram o rei revelado no
espelho dos seus corações.
TAMBÉM ISTO HÁ-DE PASSAR
(…) O dervixe permaneceu horas por entre as ruínas do
cemitério, sem levantar os olhos do chão. Finalmente ergueu a cabeça e olhou
para o céu. E, como se houvesse descoberto o significado profundo de uma grande
lição, disse, abanando a cabeça em sinal de confirmação: «Também isto há-de
passar!»
Quando por fim atingiu uma idade em que a velhice o impediu de
prosseguir as suas viagens, decidiu instalar-se definitivamente e passar o
resto da vida em paz e sossego. Os anos foram correndo e o velho dervixe
passava o tempo auxiliando os que até ele vinham em busca de bom conselho e
partilhando com os jovens os ensinamentos adquiridos com a experiência da sua
vida. De todo o lado chegava gente para colher os benefícios da sua sabedoria. Um
dia chegou aos ouvidos do principal conselheiro do rei, que andava precisamente
procurando alguém dotado de grande saber e muita experiência.
A causa dessa busca era apenas o desejo que o rei tinha de
mandar fazer um anel à sua medida. Mas este anel teria de respeitar uma condição
muito particular: teria de ter gravada uma inscrição tal que o rei, ao olhar
para o anel e ler a gravação, ficaria alegre e feliz se estivesse triste e se,
pelo contrário, se sentisse feliz e alegre, ficaria triste.
Foram convocados os melhores joalheiros e de todo o lado
vieram homens e mulheres com ideias e propostas para a inscrição. Nenhuma,
porém, mereceu o agrado do rei. Assim, o conselheiro escreveu uma carta ao
dervixe, dando-lhe conta da situação, pedindo ajuda e convidando-o a visitar o
palácio. Sem abandonar a sua casa, o dervixe não perdeu tempo em remeter uma
resposta.
Alguns dias depois foi apresentado ao rei um anel de
esmeraldas, acabado de fazer. O rei, que tinha passado os últimos dias
mergulhado em tristeza, pôs com relutância o anel no dedo e com negligência
lançou-lhe um olhar distraído. De súbito sorriu e, instantes depois, ria às
gargalhadas. No anel estavam gravadas estas palavras: «Também isto há-de
passar!»
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