quinta-feira, 23 de novembro de 2017

os mistérios do Oriente



(…) e foi assim que os nossos antepassados, obrigados a viver quer quisessem quer não em divisões escuras, descobriram um dia o belo no meio da sombra, e depressa a utilizaram para obter efeitos estéticos.

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A maquilhagem incluí, entre outras coisas, o escurecimento dos dentes [técnica conhecida como ohaguro e que consistia em pintar os dentes com tinta negra]; podemos perguntar-nos se o objectivo desta operação não seria o de, depois de preenchido de obscuridade todo o espaço à excepção do rosto, colocar um toque de sombra até mesmo na boca.

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Mas qual a razão para esta tendência de procurar o belo no obscuro com tanta força se manifestar apenas nos Orientais? Ainda não há muito, também o Ocidente ignorava a electricidade, o gás, o petróleo, mas, tanto quanto sei, nunca sentiu a tentação de se deliciar com a sombra. Desde sempre os espectros japoneses são desprovidos de pés; os espectros do Ocidente têm pés, mas, em contrapartida, todo o seu corpo é, ao que parece, translúcido. Fosse ou não fosse por pormenores destes, o que constatamos é que a nossa própria imaginação se move em trevas negras como laca, enquanto os Ocidentais atribuem até aos seus espectros a limpidez do vidro.

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Qual poderá ser a origem de uma diferença de gostos tão radical? Pensando bem, é porque nós, Orientais, procuramos acomodar-nos aos limites que nos são impostos, que desde sempre nos satisfazemos com a nossa presente condição; consequentemente, não sentimos repulsa alguma pelo que é obscuro, resignamo-nos a ele como a algo de inevitável: se a luz é fraca, pois que o seja! Mais, afundamo-nos com delícia nas trevas e descobrimos-lhe uma beleza própria.

Pelo contrário, os Ocidentais, sempre à espreita do progresso, agitam-se incessantemente na procura de uma condição melhor que a actual. Sempre em busca de uma claridade mais viva, afadigaram-se, passando da vela ao candeeiro de petróleo, do petróleo ao bico de gás, do gás à iluminação eléctrica, para cercar o menor recanto, o último refúgio da sombra.

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Pensem no sorriso de uma jovem mulher à luz vacilante de uma lanterna, que, de tempos a tempos, entre uns lábios de um azul irreal de fogo-fátuo, fazia cintilar dentes de laca negra: poder-se-á imaginar rosto mais branco que esse? Eu, pelo menos, vejo-o mais branco que a brancura de qualquer mulher branca, nesse universo de ilusões que trago gravado no cérebro.

A brancura do homem branco é uma brancura translúcida, evidente e banal, enquanto aquela é uma brancura de certa forma desligada do ser humano. Pode ser que uma brancura assim definida não tenha qualquer existência real.

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