(…) e foi
assim que os nossos antepassados, obrigados a viver quer quisessem quer não em
divisões escuras, descobriram um dia o belo no meio da sombra, e depressa a
utilizaram para obter efeitos estéticos.
(…)
A
maquilhagem incluí, entre outras coisas, o escurecimento dos dentes [técnica
conhecida como ohaguro e que
consistia em pintar os dentes com tinta negra]; podemos perguntar-nos se o
objectivo desta operação não seria o de, depois de preenchido de obscuridade
todo o espaço à excepção do rosto, colocar um toque de sombra até mesmo na
boca.
(…)
Mas qual
a razão para esta tendência de procurar o belo no obscuro com tanta força se
manifestar apenas nos Orientais? Ainda não há muito, também o Ocidente ignorava
a electricidade, o gás, o petróleo, mas, tanto quanto sei, nunca sentiu a
tentação de se deliciar com a sombra. Desde sempre os espectros japoneses são
desprovidos de pés; os espectros do Ocidente têm pés, mas, em contrapartida, todo
o seu corpo é, ao que parece, translúcido. Fosse ou não fosse por pormenores
destes, o que constatamos é que a nossa própria imaginação se move em trevas
negras como laca, enquanto os Ocidentais atribuem até aos seus espectros a
limpidez do vidro.
(…)
Qual
poderá ser a origem de uma diferença de gostos tão radical? Pensando bem, é
porque nós, Orientais, procuramos acomodar-nos aos limites que nos são
impostos, que desde sempre nos satisfazemos com a nossa presente condição;
consequentemente, não sentimos repulsa alguma pelo que é obscuro, resignamo-nos
a ele como a algo de inevitável: se a luz é fraca, pois que o seja! Mais, afundamo-nos
com delícia nas trevas e descobrimos-lhe uma beleza própria.
Pelo contrário,
os Ocidentais, sempre à espreita do progresso, agitam-se incessantemente na
procura de uma condição melhor que a actual. Sempre em busca de uma claridade
mais viva, afadigaram-se, passando da vela ao candeeiro de petróleo, do
petróleo ao bico de gás, do gás à iluminação eléctrica, para cercar o menor
recanto, o último refúgio da sombra.
(…)
Pensem no
sorriso de uma jovem mulher à luz vacilante de uma lanterna, que, de tempos a
tempos, entre uns lábios de um azul irreal de fogo-fátuo, fazia cintilar dentes
de laca negra: poder-se-á imaginar rosto mais branco que esse? Eu, pelo menos,
vejo-o mais branco que a brancura de qualquer mulher branca, nesse universo de
ilusões que trago gravado no cérebro.
A brancura
do homem branco é uma brancura translúcida, evidente e banal, enquanto aquela é
uma brancura de certa forma desligada do ser humano. Pode ser que uma brancura
assim definida não tenha qualquer existência real.
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