domingo, 26 de março de 2017

As pequenas mortes



A minha introdução à obra de D.H. Lawrence aconteceu pela antologia AMOR NO FENO E OUTROS CONTOS. Embora não me tenha arrebatado por aí além, gostei particularmente dos contos AMOR NO FENO, FOI PRECISO UM CAVALO DE BALOIÇO e O HOMEM QUE MORREU.

FOI PRECISO UM CAVALO DE BALOIÇO será o mais triste de todos, pelo final trágico devido à compulsão do consumismo que devora toda a interioridade e possibilidade de satisfação. Nos outros dois contos há uma redenção final pelo amor («Ela baixou-se para ele e agarrou-se-lhe ao pescoço, apertando-a ao seio num frenesim de dor. A amarga desilusão da vida, a vergonha e a degradação contínua dos últimos quatro anos tinham-na empurrado para a solidão e endurecido até grande parte do seu ser ficar empedernida e estéril. Agora, abrandava de novo e despontava nela a promessa de uma Primavera linda. Estivera a caminho de vir a tornar-se numa velha feia.») sobretudo n’ O HOMEM QUE MORREU, fantasia de uma outra vida de Jesus Cristo, erguida em corpo após a ressurreição:

Depois, lenta, lentamente, na escuridão perfeita do homem em si, ele sentiu que algo começava a despontar. A madrugada, um sol novo. Um sol novo subindo em si, na perfeita escuridão interior do seu ser. Esperou, contendo a respiração, trémulo, numa esperança temerosa… «Agora já não sou eu. Sou algo de novo…»
E, enquanto se erguia sentiu, com um bafo frio de desapontamento, a cinta da mulher viva abrandar e descair dele, o calor e a incandescência a descair dele, deixando-o nu. Ela enroscou-se, exausta, aos pés da deusa, escondendo o rosto.
Curvou-se e pousou a mão, docemente, no ombro claro e morno dela; e o choque do desejo lancinou-o, choque após choque e pensou se não seria esta uma outra morte: mas cheia de magnificência.
Agora, toda a sua consciência estava posta na mulher, enroscada, escondida. Baixou-se ao lado dela e acariciou-a terna, cegamente, murmurando coisas inarticuladas. E a sua morte e a sua paixão pelo sacrifício eram, agora, nadas para ele – conhecia apenas a plenitude enroscada daquela mulher, a branda pedra branca da vida… «Sobre esta pedra construí a minha vida.» A pedra de pregas profundas, a pedra penetrável da mulher viva! A mulher, escondendo o rosto. Ele, curvado sobre ela, poderoso e novo como a madrugada.
Chegou-se todo a ela e sentiu a labareda da virilidade e a força erguerem-se-lhe nos rins, magnificientes.
«Ergui-me!»
Magnificente, flamejando indomitável na profundeza dos seus rins, despertava o seu sol próprio, que dardejava o seu fogo pelos membros dele, de tal modo que o rosto cintilava inconscientemente.
Desatou a fita da túnica de linho e deixou-a tombra e viu o brilho branco dos peitos branco-e-ouro dela. E tocou-os e sentiu a vida fundir-se em si. «Pai!», disse ele. «Porque escondeste isto de mim?» E tocou-a com a pungência do espanto e a maravilhosa transcendência penetrante do desejo. «Oh!», disse ele, «isto está para além da oração.» Era o calor profundo, entremeado, o calor vivo e penetrável, a mulher, o coração da rosa! A minha mansão é a intrincada rosa quente, o meu júbilo é esta flor!
Ela levantou os olhos para ele, de repente, com o rosto como uma luz desperta, ávido, terno, os olhos como muitas flores húmidas. E ele apertou-a ao peito com uma paixão de ternura e desejo devorador e o último pensamento: «É chegada a minha hora e sou tomado de surpresa…»
E então conheceu-a e os dois foram um só.»


De qualquer dos modos, é uma leitura recomendada. O sensualismo de D.H. Lawrence agradam muito, bem como alguns comentários mais inteligentes, como este por exemplo: «O  homem ergueu-se obedientemente. Todo ele era descontracção, parasitismo, insolência. Geoffrey tinha-lhe nojo, apetecia exterminá-lo. Era exactamente o pior inimigo do hipersensível: insolência sem sensibilidade, à cata da sensibilidade dos outros.»

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