“Está na ordem do universo que um
espírito único, por todo o lado espalhado, um sentido em tudo presente, de
todas as partes vindo para se apossar das coisas, sinta estes efeitos e paixões
que em todas as coisas nos é dado observar.
[…]
É por esta razão que os deuses nos
falam através de imagens ou de sonhos, que nós, por falta de hábito, por
ignorância e pela obtusa debilidade das nossas faculdades, chamamos de enigmas,
quando são estas as [verdadeiras] palavras por excelência e os próprios confins
das coisas que se podem figurar.
[…]
Certos espíritos habitam os
corpos humanos, outros os corpos de outros animais, plantas, pedras, minerais;
em suma, nada existe que esteja privado de espírito, de inteligência – nem o
espírito destinou para si morada eterna em lugar algum. A matéria flutua de
espírito em espírito, de natureza em natureza ou composição, e o espírito
flutua de matéria em matéria. Sucedem-se a alteração, a mutação, a paixão e,
por fim, a corrupção, quer dizer, a separação de determinadas partículas e sua
composição com outras. A morte mais não é que dissolução. Nenhum espírito ou
corpo desaparece: há somente uma contínua mutação de combinações e
actualizações.
[…]
Eis como por vezes somos mais
atingidos e mais cruelmente feridos por coisas cujos golpes não sentimos do que
por aquelas que no-los fazem sentir […]. Não teremos pois a leviandade de
contestar à partida as teses de certos platónicos e de todos os pitagóricos,
que concebem o indivíduo como uma colecção de seres dotados de vida própria:
morrera um deles, mesmo sendo de todos o principal, que os outros lhe
sobreviveriam ainda por muito tempo.”
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