sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

2011 e os meus livros






Pela primeira vez, deu-me vontade de olhar para o passado e pensar o ano que está quase a terminar. Conjugando os pensamentos que anotei no meu diário, os acontecimentos que recordo e as leituras que registei no blog, chego à conclusão de que tudo o que aprendi pelo coração já o tinha previamente escrito algures. Como um conto que escrevi há mais de dois anos e que só hoje posso realmente entender. Porque o que me doeu este ano foi o cérebro e o seu pensamento atrasado; só se pode compreender de facto com as entranhas.




2011 foi um ano tramado: um ano de crise interna.



Um ano que começou mal. Janeiro na Mouraria bafienta e o conto profético Trinta Anos de Ingeborg Bachmann. A sensação de ter caído numa armadilha. As noites desassossegadas, duvidando de tudo, até da própria dor. Suspeitando que nada me ludibria tanto como essa moinha persistente. Sempre a pensar mais à frente ou mais atrás, incapaz de decidir o que é a felicidade porque tudo pesa e eu estou nua e gelada, ocupada por uma raiva que grita: "Despida de desejo venho até vós!" E no momento seguinte, uma vontade de esquecer tudo, ser humilde, pedir perdão e socorro e ganhar a ternura. Ou estalar os dedos, apenas, dizer estou boa e ficar boa. Sentir o vazio em mim e perceber que a minha fome é afinal maior que o amor, de uma teimosia que não está de acordo com a minha inteligência. Nem escrever consigo, apenas cair. “A destruição está em marcha. Poderei vir a falar em felicidade, se este ano não me matar.”




Mudo de casa. Cais de Sodré. Longas jornadas na cama, endurecendo o coração com a beleza das palavras de Djuna Barnes e fumando compulsivamente. Percebo que começo a conhecer-me com alguma segurança. Ganho alguma tranquilidade e admito a companhia de alguns. O inverno teima em persistir. Em Herberto Hélder, encontro uma companhia para a minha indignação e torno a sentir-me forte, bela e brava. E aí vou eu pela floresta vermelha afora, ignorando neves, e dizendo com alguma alegria principiante: “que se foda!”. Está tudo bem, o mundo está certo na sua desadequação.



A Primavera traz-me O Apogeu de Miss Jean Brodie e a promessa de um amor bruto como o primeiro. Perco o apetite, decido confiar e sentir, sentir muito. Com o peito cheio, descarto os tiques, as frases de pacotilha e os espólios de guerra e recebo uma doçura desconhecida e deliciosa. Mudo mais uma vez de casa. Desta vez, optimista. Passo as noites a namorar com o Augie March e a acreditar que podemos ser fáceis, dados e aceitar o que vier. “Primeiro tem de se testar aquilo de humano com que se consegue conviver. E se o mais elevado estiver naquela taberna vazia e abafada, com as moscas, o rádio quente a zumbir entre jogadas e a cerveja de Sox Park, o que poderá fazer-se senão aceitar a mistura e dizer que a imperfeição é sempre a condição do que encontramos? Do mesmo modo, os meus olhos arranhados verão sempre a grande beleza arranhada. E deuses podem aparecer em qualquer lugar”.




O verão desfaz a ilusão. Vou-me abaixo. Sinto-me encurralada, o peito socado. Leio Pan de Knut Hamsun e consagro-me ao mistério da caça e do caçador. Os dias soalheiros são esculpidos por um estoicismo de pedra e cal, dias bonitos em que não fornico, e as noites bombardeadas por anjos e demónios. Nas Histórias de Amor de Robert Walser, descubro-me Circe e percebo então que fui mal aconselhada na minha lucidez. Mas ainda tenho um coração que ri, enquanto se esvai em sangue pelas pedras esquentadas da calçada lisboeta. It’s all right, ma…



A Aprendizagem começa a solidificar-se no Outono, quando regresso perdida da caça com o nome de Lóri. Os sonhos amputados por solidariedade, por ver que todos saíam tão derrotados pelo mundo. E termina com o diagnóstico de Raskólnikov, que é afinal o meu: orgulho ferido. Mas isso, eu apenas percebo uns dias após o Natal, depois de reler Coração, Solitário Caçador. Ou melhor: vejo. Por uns instantes, perco o medo de levar o pensamento demasiado longe, penso, e de súbito, vejo-me. Vejo-me dividida em duas forças contrárias, uma força guerreira, afirmativa e optimista que quer ser feliz e fazer muitas coisas e outra que teima na inércia e na descrença, fazendo trincheira de uns quantos desgostos, ofendida por o mundo não ser tal e qual o seu desejo. Que eu me boicotava a mim própria já sabia, mas nunca o tinha visto com olhos de ver. O que andou aqui dentro a espernear este ano todo foi a minha parte adolescente – está, portanto, resolvido o enigma de apenas me apetecerem romances de formação.

O ano termina bem. Não tenho nada de grave, apenas dores de parto. O que vou fazer daqui em diante é outra guerra, pois não posso simplesmente açoitar a menina mimada que está magoada: é ela quem sonha mais alto e escreve com maior delírio e força. “Esta é realmente a minha embaraçosa chegada à maturidade. Não serve para espectáculo nem dá como exemplo ou símbolo. Tenho de inventar a minha vida verdadeira.” Nenhum osso partido.

3 comentários:

Pedro Góis Nogueira disse...

O meu 2011 não foi um mau ano, foi antes um ano difícil Por vezes bastante.
Teve coisas boas, uma delas foi a descoberta deste blogue, que gosto muito.
Um bom 2012 para ti. Beijinhos.

Anónimo disse...

Paty: 2012, será apenas mais 300 e tal dias em que estarei sempre e sempre presente... 24/24 Como um grande Amor...

Susana C.

Madame Bovary disse...

obrigada pedro e susy, pelos votos. desejo também um ano muito feliz para vocês. beijinhos