Pontualmente, atravesso desertos de leitura. São momentos
altamente angustiantes, esses em que me falta um livro. Pois que tenho sempre
de estar a ler e quando nenhum livro me conquista, quando nada adere, sinto-me
desnorteada, perdida, esvaziada de qualquer paixão pela vida – circulo então pelas
estantes, como uma fera magra de savana e caça, passando os dedos pelas
lombadas, inventando sortilégios e sorteios que me possam revelar a minha
próxima leitura. E quando tudo falha, não me resta senão aninhar-me na minha
solidão e regressar aos contos de Tchékhov.
Nabokov afirmou que “Tchékhov escrevia livros tristes para
pessoas alegres; quero dizer com isto que só um leitor com sentido de humor
será capaz de sentir a fundo a tristeza deles.” Tenha Nabokov razão ou não, o
facto é que sempre encontro conforto na leitura dos seus contos e vários meses,
ou até mesmo anos, vejo volverem-me ao pensamento algumas das suas personagens
ou enredos. São todos magníficos, nenhum desilude, sobretudo porque cobrem o
amplo espectro de sentimentos que compõem uma vida plenamente vivida e pensada;
porém, existem alguns que me são mais queridos por que me reflectiram naquela
fase exacta da vida em que os li. São eles SAUDADE, lido numa fase de luto
intenso pela perda de um amigo, e INIMIGOS, lido numa altura em que pensava
persistentemente no egocentrismo de algumas pessoas. Neste último, embora o
narrador não tome partido por nenhuma das desgraças que se abatem quer sobre o
doutor Kirílov, quer sobre o nobre Abóguin, sinto que também o meu coração se
tomou dessa mesma «injusta convicção, indigna do coração humano» que acomete o doutor
até ao túmulo.
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