domingo, 1 de outubro de 2017

tell me a riddle



Tillie Olsen: mais uma grande autora que eu desconhecia, revelada pela poderosa Antígona. Tive alguma dificuldade inicial em alinhar com o estilo de escrita mas cheguei ao final da leitura dos 4 contos completamente de joelhos. Neles se escreve sobre as adversidades que afectam as classes desprivilegiadas, sobre a segregação, a solidão e sobretudo sobre «os silêncios que impedem vidas de se converter em escrita». O conto final, CONTA-ME UMA ADIVINHA, que intitula a antologia, e a sua protagonista Eva, uma velha matriarca em guerra contra a sociedade patriarcal, dobrou-me a espinha, obrigando-me a ler o final de olhos marejados.

Reabriam-se velhas cicatrizes e as feridas infectavam de novo. Tchekov, nem mais. Ela pensou sem brandura na jovem esposa que, altas horas da noite, amamentando o bebé do momento, e quem sabe com outro ao colo, tentava manter-se acordada no pouco tempo, o único, que tinha para ler. Quando ele chegava tarde de uma reunião e a encontrava assim, ela sentia-lhe na face a atmosfera exterior, e ele, fremente e excitado, cheirava-lhe a pele, provocador: ‘Vou pôr o bebé na cama e tu… arruma o livro, não leias, não leias.
(…)
(Toda a vida me deitou vinagre: estou bem marinada. Como posso agora ser só mel?)
(…)

No entanto, enquanto falava, lembrou-se de que ela nem sempre estivera isolada, nem sempre quisera estar só (pois sabia que houvera uma voz antes daquele frágil fio; antes da voz rouca que cortava o silêncio para fustigar, implicar, para o envergonhar: uma eloquente voz de rapariga que pronunciava os sonhos mais sagrados de ambos). Mas mais uma vez foi incapaz de reconstituir, de imaginar o que houvera antes, nem quando ou como tinha mudado.

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