domingo, 29 de outubro de 2017

Pan-teísmo



“Ambos os panoramas me pertenciam, achava eu, e esta impressão de dupla posse dava-me uma sensação embriagante de universalidade, como se, para onde quer que olhasse, me fosse dado ver uma faceta de mim mesmo – uma ilusão malsã, vim depois a descobrir, já que mais tarde me fez crer que só valia a pena visitar um país ou uma cidade se lá adquirisse uma casa ou se escrevesse um livro acerca desse lugar. Como todas as fantasias napoleónicas, era também um sentimento de solidão. Se tudo me pertencia, então eu próprio não pertencia a nenhum recanto especial do mundo. As pessoas que avistava do cume do meu monte, a lavrarem os seus campos, a cuidarem das suas lojas e oficinas, a namoriscarem enquanto gozavam as suas férias à beira-mar, habitavam um mundo diferente do meu. Elas estavam todas juntas, eu estava completamente só. Elas faziam parte de uma irmandade, eu era um estranho. Elas falavam umas com as outras num idioma que todas entendiam, acerca de temas que a todas interessavam. Eu falava numa língua que era só minha e alimentava pensamentos que as encheriam de tédio (…).

Três grandes castanheiros cresciam num recanto, e eu costumava deitar-me ali, oculto na erva alta e húmida entre eles, no silêncio denso e de aroma adocicado das tardes estivais de Oxford. Rãs saltavam em volta de mim, distraindo-me; gafanhotos moviam-se nas ervas, a um palmo dos meus olhos; os sinos de Oxford dobravam, lânguidos, marcando a hora certa; quando ouvia alguém a chamar-me –«Morris! Morris! És tu a lançar! – sabia que, fosse lá quem fosse, não se ia dar ao trabalho de procurar muito. Marvell achava que o Jardim do Éden era certamente melhor quando Adão ali deambulou sozinho, e toda a minha vida senti em certos lugares, tanto em zonas rurais como em cidades, uma aura que me parece verdadeiramente sexual, mais pura mas não menos excitante do que a sexualidade do corpo. A origem desta emoção perversa mas oportuna parece-me residir naquelas tardes perfumadas de críquete, já tão distantes.

      Numes sedentos da mortal beleza
Verde arvoredo tomam como presa,
E Pã quis Siringe com amor fatal,
Não como ninfa, como caniçal.”

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