quinta-feira, 2 de agosto de 2018

mixed feelings


Ora aqui está um livro que me suscita sentimentos contraditórios. Numa primeira abordagem, diria que obviamente me agrada pois ajudou-me a compreender melhor algumas fases da atribulada história da Rússia, sobretudo após a falência da URSS. Depois, recordou-me um pouco O METEREOLOGISTA, de Olivier Rolin, também publicado pela Sextante: mais um francês que encontra uma história russa interessante, embora se possa acrescentar que faltam a ambos unhas para as escrever com mestria - o resultado é uma narrativa de fácil leitura que vai seduzindo pela fatia do real que coloca no papel.

Embora a leitura me tenha entretido bastante, finda a leitura, precisei de algum tempo para a digerir. E a conclusão a que chego é que este Limonov não me convence: o Carrère devia estar a atravessar um qualquer bloqueio criativo, reencontrou Limonov e persuadiu-se de que se tratava de um romance de aventuras excepcional (por ingenuidade? terá o próprio Carrère uma vida assim desinteressante? ou tal logro dever-se-à afinal a um golpe marketeiro?). Na minha opinião, o Limonov não é uma daquelas personagens russas exemplares, trata-se apenas de um oportunista que foi aproveitando as circunstâncias o melhor que pode. É assim que consegue sair da casa dos pais, que escolhe desertar de uma Rússia soviética para mais tarde regressar reclamando o passado glorioso dessa URSS que ele não foi capaz de tolerar. Mas até aqui tudo bem. O que eu não consigo mesmo engolir é que este gajo tenha ido combater ao lado dos nacionalistas sérvios, sem minimamente se inteirar do verdadeiro rosto dessa causa alheia. Nem isso nem a merda de partido extremista que ele funda com ares de vanguarda intelectual, mero pastiche de referências pop. (O seu pensamento político era confuso, sumário. Sob a influência de Duguin, ele torna-se ainda mais confuso, mas um pouco menos sumário. Enche-se de referências. Longe de opor fascismo a comunismo, Duguin venera-os igualmente. Acolhe simultaneamente no seu panteão Lenine, Mussolini, Hitler, Leni Riefenstahl, Maiakovski, Julius Evola, Jung, Mishima, Groddeck, Jünger, Mestre Eckart, Andreas Baader, Wagner, Lao-Tsé, Che Guevara, Sri Aurobindo, Rosa Luxemburgo, Georges Dumézil e Guy Debord. Se, só para se ver até onde pode ir, Eduard quiser incluir Charles Manson, nenhum problema, apertam-se um pouco para lhe dar lugar.)

Quem o topou bem foi Lawrence Ferlinghetti: «Hoje que, em troca de um trabalho pouco exigente, mora numa mansão sumptuosa e, de certo modo, beneficia das vantagens da sociedade burguesa, o herói do livro não seria mais indulgente para com essa sociedade? Não a encararia com um olhar mais severo?» E o amigo do Carrère: A tournée dos nacionais-bolcheviques no Cazaquistão, no Turquemenistão, no Tajiquistão e no Uzbequistão durou dois meses. Eram oito a acompanhar o chefe, oito tipos género paraquedistas que uma série de fotografias, publicadas em Anatomia do herói, mostra diante dos tanques russos estacionados na região. Essas fotografias fizeram rir bastante um dos meus amigos a quem as mostrei, num dia de bebedeira. «Ouve  lá, eles não passam de um grupo de panascas. Foram até lá para serem enrabados à vontade.» Eu também ri, não tinha pensado nisso. No fundo, não acredito, mas quem sabe?

Eis o Prémio Renaudot 2011. Não encontraram uma obra mais merecedora? Quiçá uma biografia do Putin?

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