8 de
Junho de 1897
(...)
Minha límpida fonte! Como te estou agradecido! Não quero mais ver
flores, céu, sol – a não ser em ti. Tudo
é absolutamente mais belo, mais fabuloso, quando o olhas: a flor nas tuas
margens, que – sei isso do tempo em que tinha de ver as coisas sem ti – treme de
frio no musgo, solitária e terna, reflecte-se clara na tua bondade, vibrante, e
quase aflora com a sua pequena cabeça o céu que irradia da tua profundeza. E o
raio de sol que chega empoeirado e único aos teus limites transfigura-se e
multiplica-se em chuva de centelhas nas ondas luminosas da tua alma. Minha límpida
fonte. É através de ti que quero ver o mundo, porque, ao mesmo tempo, verei, já
não o mundo, mas apenas a ti, a ti, a ti!
Tu és o meu dia de festa. Quando em
sonhos me junto a ti, tenho sempre flores nos cabelos.
//
Desejaria colocar-te flores nos
cabelos. Quais? Nenhuma tem a simplicidade comovente que deveria, nenhuma é
suficientemente simples. Em que Maio colhê-lhas? – Mas creio agora que tens
sempre nos cabelos uma grinalda – ou uma coroa… Nunca te vi de outro modo.
Nunca te vi, que não tivesse o desejo de te rezar. Nunca te
ouvi que não tivesse o desejo de acreditar em ti. Nunca te esperei, sem o
desejo de sofrer por ti. Nunca te desejei, sem ter também o direito de me
ajoelhar à tua frente.
LOU ANDREAS-SALOMÉ A RILKE em
Berlim
26 de Fevereiro de 1901
Último apelo.
(…) Mas então, outra coisa
aconteceu, qualquer coisa que é como que uma trágica culpabilidade minha para
contigo: o facto de, a despeito da nossa diferença de idades, me ter sido
necessário crescer desde Wolfratshausen, crescer para encontrar finalmente o
que com tanta alegria te anunciei quando nos despedimos, por mais estranho que
isso possa parecer: a minha juventude. Pois somente hoje consegui ser jovem,
somente agora posso ser o que as outras são aos dezoito anos: inteiramente eu
própria. Foi esta a razão por que a tua pessoa, tão querida e tão próxima em Wolfratshausen,
a pouco e pouco foi desaparecendo da minha vista, como um determinado pormenor
numa vasta paisagem, uma imensa paisagem do Volga, por exemplo, e onde a
pequena cabana já não te pertencia. Sem o saber, obedeci ao grande destino da
minha vida, que, sorrindo e para além de toda a compreensão e de toda a
expectativa, me oferecia um presente. Aceitei-o com uma grande humildade; e
lúcida como um vidente, lanço-te este apelo: caminha da mesma maneira ao
encontro do teu Deus obscuro!
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