“Quantos Árabes ilustres ligados a
esta terra têm merecido a atenção da nossa gente de cultura? Apenas responderá
um silêncio que magoa. No entanto, esses mouros convertidos em lenda iluminaram
a Idade Média, guiados pelos noventa e nove Nomes de Alá. E, como os ventos que
sopravam dos desertos de onde vinham, trouxeram aromas e fulgores de todas as
civilizações que avassalaram. E foram filósofos, matemáticos, poetas, santos e
heróis. Por isso, os reis cristãos peninsulares, vencedores tantas vezes pela
espada, se rendiam ao seu saber e, não raro, entregavam o coração à mulher
muçulmana.
(…)
Compreende-se que, no cenário das
areias, «a única arte que os nómadas
podem desenvolver é de facto a língua – que se torna assim o que Heidegger
disse: a morada do ser. A frase do filósofo alemão é tão verdadeira que o verso
poético árabe chama-se bayt
(literalmente casa) e palavra diz-se mufrad (de fard, ou seja, indivíduo).»
IBN
‘ABDÛN (Évora, século XI)
regaram-no
as chuvas da abastança
e
saudosas frases me vêm à lembrança.
cumes
cobertos de moitas floridas
de
bordados mantos, sendas não esquecidas.
como
esquecer-me das horas passadas
no
tropel louco de ingénuas cavalgadas?
ai
como era doce esse meu folguedo
passarinho
à toa esvoaçando ledo.
dias
tão felizes, bordados em flor,
vento
em minhas vestes murmurando amor.
AL-MU’TAMID (Beja, 1040 – Aghmat, 1095)
evocação de Silves
saúda,
por mim, Abû Bakr,
os
queridos lugares de Silves
e
diz-me se deles a saudade
é
tão grande quanto a minha.
saúda
o Palácio dos Balcões,
da
parte de quem nunca o esqueceu,
morada
de leões e de gazelas
salas
e sombras onde eu
doce
refúgio encontrava
entre
ancas opulentas
e
tão estreitas cinturas.
moças
níveas e morenas
atravessavam-me
a alma
como
brancas espadas
como
lanças escuras.
ai
quantas noites fiquei,
lá
no remanso do rio,
preso
nos jogos do amor
com
a da pulseira curva,
igual
aos meandros da água,
enquanto
o tempo passava…
ela
me servia vinho:
o
vinho do seu olhar,
às
vezes o do seu copo,
e
outras vezes o da boca.
tangia-me
o alaúde
e
eis que eu estremecia
como
se estivesse ouvindo
tendões
de colos cortados.
mas
se retirava as vestes
grácil
detalhe mostrando,
era
ramo de salgueiro
que
me abria o seu botão
para
ostentar a flor.
--//--
solta
a alegria! que fique desatada!
esquece
a ânsia que rói o coração.
tanta
doença foi assim curada!
a
vida é uma presa, vai-te a ela!
pois
é bem curta a sua duração.
e
mesmo que a tua vida acaso fosse
de
mil anos plenos já composta
mal
se poderia dizer que fora longa.
seres
triste sempre não seja a tua aposta
pois
o alaúde e o fresco vinho
te
aguardam na beira do caminho.
os
cuidados não serão de ti os donos
se
a taça for espada brilhante em tua mão
da
sabedoria só colherás a turbação
cravada
no mais fundo do teu ser:
é
que, de entre todos, o mais sábio
é
aquele que não cuida de saber.
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